terça-feira, 28 de julho de 2009

Um enterro europeu

Minha mãe me liga, às nove da manhã, dizendo: "meu filho, hoje tive uma madrugada atípica. Falei espanhol no sonho todo e senti presenças muito estranhas". Papo vai, papo vem (eu já conheço quando ela quer me dizer que alguém da família morreu), ela me confessa: "meu filho, se prepare um pouco. Sua tia morreu". Estranhei, não sabia que minha tia estava doente, e achei que era uma brincadeira de mau gosto. Ela confirmou: "sua tia foi internada na sexta-feira, pra fazer uns exames, e descobriu que estava com câncer terminal no intestino".
Me preparei para o enterro - aí viria um enterro tipicamente europeu. Vesti meu traje de passeio, meu pai também, minha mãe uma roupa negra, e fomos para o Jardim da Saudade. Lá, aconteceu o típico: ninguém chorava, todos riam, contavam piadas, se cumprimentavam - parentes que não se viam há muito tempo, vindos de partes diferentes do mundo. Somente os mais brasileiros choravam - os netos da minha tia, que não estavam acostumados com esses enterros.
Meu avô também estava lá, e fez como faz em todos os enterros, desde o pai: ficou do lado de fora, conversando com os parentes que apareciam para lhe dar os pêsames, e não soltou uma lágrima sequer. Apenas ria.
E veio a hora da missa. Quando foi chegada a hora de comungar, eu comunguei, para passar a frente de todos, e encostei no caixão. Apenas disse: "vá com Deus, minha tia, e fique ao lado dos justos. Que Deus tenha piedade de sua alma". Não chorei.
O marido dela, um andaluz típico, pegou um violão e cantou para ela na hora da despedida. Neste momento, as irmãs, os filhos, netos e sobrinhos se aproximaram do caixão, se abraçaram e choraram, muito. E foi só ali.
Fechou-se o caixão. Levamos até o carro, onde o caixão seria levado, e fomos cantando no caminho, segurando as flores. Voltou a reinar o clima de reencontro, com conversas, risadas e sempre exaltando as qualidades do morto. Escutei minha mãe dizer que ela sempre foi uma referência de beleza para ela: quando ela queria se pintar, pedia a minha tia que a pintasse.
Na hora do adeus, todos se despediram. Meu avô, aquele europeu imbatível e frio, se aproximou da cova e começou a chorar feito um menino - agora ele era o mais velho de todos os irmãos. Todos falavam nas suas línguas natais, na hora do adeus, e ninguém mais lembrava do português. Eu, que não havia ainda chorado, me despedi também singelamente. Minha tia marcou a minha infância: eu desenhava para ela, em Cascais, e ela me dava dicas de como melhorar meus desenhos. Passei muito tempo na casa de praia dela, haviam as intermináveis partidas de futebol da família (que formavam quatro times, todos com reservas) e quando terminavam, ficavamos conversando muito, sempre sobre a origem de nossa família.
Enterrada minha tia, os mais próximos conversavam na beira da cova, sem nenhuma lágrima mais. Depois de trinta minutos, fomos todos embora, puxando meu "tio" pelo braço, que ainda cantava na beira do túmulo. Agora, ele era um viúvo, e seus filhos diziam: "meu pai, agora, passará a ser nosso filho. Vai morar comigo um tempo, vai morar com meu irmão um tempo, e nós teremos de cuidar dele".
O tempo passa. Já se foi a minha infância, ao lado da minha tia, desenhando. Foi o terceiro enterro, e a gente espera o próximo para se reencontrar e lembrar que temos de aproveitar nossos pais, tios e avós enquanto há tempo: eles se vão com uma rapidez incrível.
É isso.

Um comentário:

Tibério disse...

Aí, meus sentimentos pow. Mas, eu ri com a "animação" do velório. Minha mãe ia adorar, você sabe. =D